Mais do ser apenas o ‘filme da bomba’, Oppenheimer é uma cinebiografia que explora a vida e os caminhos trilhados pelo físico J. Robert Oppenheimer, que o levaram dos estudos na Europa com as maiores mentes científicas do início do século XX ao deserto do Novo México para dirigir o Projeto Manhattan, que levaria ao desenvolvimento do primeiro artefato nuclear da humanidade e como dali em diante, o mundo não seria mais o mesmo.
Interpretado com maestria por Cillian Murphy, acompanhamos o jovem Oppenheimer em seus estudos na Europa e atormentado por saudades de casa enquanto ainda busca encontrar um lugar para si e um propósito e passamos a vê-lo no desenvolvimento da bomba atômica e as consequências de sua criação, os debates sobre seus usos, o fardo que passou a carregar por mudar o mundo e a perseguição que sofreu por se opor a uma corrida armamentista durante a guerra fria quando se deu conta das consequências que seu projeto teria e que não havia previsto pois, como é dito em dado momento do filme, ‘teorias só te levam até um certo ponto’.
Caso fosse uma cinebiografia comum, o longa seguiria esses passos de forma linear, mas sendo um filme do diretor Christopher Nolan, o longa explora a vida do cientista de forma não-linear, indo e vindo entre os momentos de sua vida de forma a criar uma tensão que prende a atenção do espectador e quebra sua expectativa sobre o que virá a seguir. Tudo isso acontece entre cenas que se alternam entre preto e branco e coloridas todas filmadas em IMAX e magistralmente belas graças ao trabalho do diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema que acompanhado da fantástica trilha do compositor Ludwig Göransson criam junto de Nolan um espetáculo técnico que se completa com uma edição de som perfeita tanto em planos que exploram as paisagens do Novo México como os que exploram as paisagens das expressões humanas sendo o ponto alto a detonação da primeira onde todas esse trabalho se mescla de forma tensa e esmagadora.
A parte técnica inclusive foi alvo de polêmicas e também é utilizada por detratores do diretor e sua insistência em fazer o filme de forma praticamente analógica em um mundo tão digital. Ver o filme em IMAX aprimora a experiência levando o espectador próximo à visão que Nolan quer passar, mas na falta de tal possibilidade, Oppenheimer pode ser admirado em uma tela mais convencional ou até na de um celular assim que chegar às plataformas digitais. Claro que ver os planos abertos do deserto ou closes em corredores, ou reuniões em mesas podem ter mais impacto em uma tela grande, mas ele funciona em outros meios.
Esse é um mérito do filme já que ele não se sustenta apenas pelas imagens ou som e também por um bom roteiro com muitos diálogos densos e atuações excepcionais como a de Robert Downey Jr, em uma de suas melhores interpretações de sua carreira, no papel de Lewis Strauss, o mais perto que o filme chega a ter de um antagonista. Outros atores também brilham, mesmo que apenas em poucas cenas, como Gary Oldman, Matt Damon, Casey Affleck, Florence Pugh e tantos outros. Apenas Emily Blunt talvez seja pouco aproveitada dado seu tempo de tela, sendo muitas vezes apenas a mulher do cientista que fica de canto, não sendo tão explorada até o terceiro ato do filme onde se destaca. Personagens femininas acabam sendo muitas vezes um ponto fraco de Nolan, ainda que nesse caso são personagens reais e não o foco da história, talvez seu roteiro pudesse ter explorado mais elas.
Curiosamente o longa de Nolan sobre a pessoa que deu ao mundo um poder que poderia levá-lo tanto à evolução como a destruição e cujas consequências não foram previstas pelo seu criador, que passou anos carregando o fardo de tal criação, chega no momento em que outra tecnologia, a inteligência artificial, é alvo de debates e aplicações com consequências que também não podem ser previstas.
Além de nos apresentar mais do que existe além de ‘pai da bomba atômica’ no cientista, Oppenheimer nos leva a refletir e sentir as responsabilidades sobre como criações, ainda que desenvolvidas com as melhores das intenções, podem ser deturpadas para usos inimagináveis e vis.
Oppenheimer chega aos cinemas brasileiros em 20 de julho. Confira o trailer: