‘Toda e qualquer ação e arte que eu promover, por si só ela já vai estar promovendo a inclusão por ser feita por mim.’ – Ao longo de mais de duas décadas dedicadas ao rap e ao ativismo social, Billy Saga é considerado um dos mais autênticos rappers ao abordar temas como a exclusão social e o direito das pessoas portadoras com deficiência.
Em 1998, o músico foi atropelado por uma viatura da Polícia Militar que ultrapassou o farol vermelho em um acidente que fraturou sua coluna em três lugares, deixando-o paraplégico. “Quando eu sofri o acidente, com 20 anos, eu fui atropelado por uma viatura da PM, passou o farol vermelho, um motorista com a carta vencida. Eu costumo dizer que passa aquela fase chá com bolacha, que vai todo mundo na sua casa, e dizem assim, graças a Deus você sobreviveu. Eu não tinha nada, mas era eu comigo mesmo.E essa é a parte que eu acho mais difícil para as pessoas que adquirem uma deficiência.”
Foi no rap que Saga encontrou não só força mas também uma sensação de pertencimento, ainda que sua formação musical seja eclética desde pequeno. “Sempre fui muito eclético, eu cresci ouvindo samba com meu pai, MPB, mas ainda não era aquela trilha sonora que eu falava ‘essa é a música da minha vida que eu amo’. Até o dia que eu vi um amigo segurando dois vinis do Racionais. Eu pedi emprestado para ele despretensiosamente, achei que ele nem ia emprestar. Primeira vez que eu coloquei aquilo no 3em1 em casa para gravar na fita cassete, eu pirei, porque os caras estavam musicando tudo o que eu vivia muito próximo da periferia que eu morava. E naquele mesmo dia eu escrevi minha primeira letra, decidi que o rap era a trilha sonora da minha vida e fui pesquisar mais.”
“O rap me deu muita força, porque eu me sentia pertencente a uma ferramenta de protesto social que poderia me ajudar a mudar uma realidade tão excludente que eu passei a presenciar e a vivenciar, que até então eu não conhecia, que era viver com uma deficiência no Brasil. A partir daí eu comecei a direcionar minhas composições para esse tema também, não só para esse tema, mas também para esse tema, e comecei a trabalhar com inclusão em outras frentes também, como militante, não só na música”
Ao longo de 13 anos, Billy fundou e trabalhou na ONG Movimento SuperAção na qual promoveu eventos socioculturais para sensibilizar a sociedade em relação ao direito das pessoas com deficiência atuando não só em São Paulo, como em cidades como Rio, Porto Alegre e no exterior como em Santa Fé, na Argentina. Nesse período o músico gravou e lançou seu primeiro álbum ‘Me Jogue aos Lobos e Eu Volto Comandando a Matilha’ em 2012 além de se apresentar nos eventos promovidos pela ONG, o que o levou a focar mais na música ‘Eu comecei a entender que a minha melhor estratégia seria eu trabalhar a minha própria arte como ferramenta de inclusão.’, diz.
O rapper lançou mais dois discos, em 2016 e 2020 respectivamente e agora embarca em uma nova fase de sua carreira, com a chegada de seu quarto disco com previsão de lançamento entre abril e maio deste ano. “Esses três primeiros foram trabalhos totalmente independentes. Esse (o quarto disco) é o primeiro realmente, que estou com uma estrutura profissional, com empresária, com assessoria de imprensa. Tive a honra de ser contemplado por um projeto, um edital da Natura, para ajudar a impulsionar essas ações. A gente está aí com Felipe Vassão, Devasto, Lucas Romero, Badzilla, meu próprio DJ, Latif, que já produziu várias coisas legais. E eu acho que esse disco vem realmente um divisor de águas aí na minha carreira, por conta dessa busca que vem lá desde o primeiro até agora por aumentar o profissionalismo.”
A primeira amostra do novo material já está disponível nas plataformas digitais. O single ‘Da Rua Pra Lua’ foi lançado no último dia 09 e conta com a participação da cantora (e também esposa) Ju Caldas, a qual Billy convidou pois na faixa versa sobre companheirismo, desejo e harmonia.
“Indiretamente, tudo que eu faço tem a ver com a minha intenção de sensibilizar a sociedade em relação à inclusão. Tinha esse viés de mostrar o relacionamento de homem e mulher, de uma pessoa com deficiência, e que se relaciona com uma mulher que não tem deficiência. Mas também tem uma questão de trazer o resgate do relacionamento humano, falar de amor. Porque acho que a gente, enquanto sociedade, vem num momento muito difícil pós-pandemia. Quando eu recebi o beat do Vassão, eu já soube que seria uma música de amor, por conta do estilo e tal, e já combinei com a minha esposa que a gente ia fazer um love song. A ideia de lançar primeiro esse single foi realmente resgatar um pouco disso nas pessoas, trazer um pouco dessa minha opinião de que é importante o relacionamento humano, é importante o amor, e é importante a gente retornar para esse lugar de acolhimento, de troca com o próximo.”
Ainda que o primeiro single seja uma canção mais leve, Saga adianta que o novo material explora outros temas. “O disco não é só música levinha, não. Tem outras músicas que trazem um pouco mais de contundência na lírica, que têm a ver com o nosso momento político, que têm a ver com a minha realidade, a minha vivência. As minhas músicas trazem muitas metáforas e remetem muito à minha experiência de vida.”
“Não digo que foi facinho poder promover a minha própria inclusão, desconstruir o meu próprio capacitismo, porque todos nós somos capacitistas em desconstrução, temos viés inconscientes em relação às deficiências. Ao me tornar uma pessoa com deficiência, eram várias questões que eu tive que descobrir na prática. A minha missão com a minha arte é realmente inspirar os outros para que eles consigam viver melhor, realmente vencer os próprios obstáculos, as próprias barreiras.”
“Conto muito da minha biografia na minha arte, então tem um pouco disso nesse disco novo, tem alguns storytelling de histórias de mitos africanos, que eu transformo em música contemporânea, então eu trago um pouco uma mistura disso, música de amor, música de protesto, de motivar, de sensibilizar através da minha história. A minha missão com a minha arte é realmente inspirar os outros para que eles consigam viver melhor, realmente vencer os próprios obstáculos, as próprias barreiras.”, finaliza.
Além do novo disco que sai ainda este ano, o rapper irá lançar no próximo dia 30 de março o livro “Manual Anti Capacitista – O que você precisa saber sobre inclusão de pessoas com deficiência” escrito junto de Carolina Ignarra, CEO do Grupo Talento Incluir. Nele os autores abordam ações de conscientização e estratégias para ampliar a inclusão de diversidade e a construção de uma sociedade mais justa. O lançamento acontece na Unibes Cultural (Rua Oscar Freire, 2.500, São Paulo), às 18h30 com entrada gratuita.