Com o lançamento de “Unlikely”, o Far From Alaska enfrenta o grande dilema da síndrome do segundo disco e tem o desafio de dar sequência ao excelente “modeHuman”, de 2014. Enquanto o primeiro full length é, por assim dizer, um best of que a banda teve a vida inteira para escrever, o segundo disco passa a ser uma espécie de momento da verdade, em que a inocência dos primeiros anos passa a ser temperada pela experiência de anos de estrada.
A bem sucedida campanha de financiamento coletivo incluía, entre outras recompensas, um nude do baterista Lauro Kirsch por 50 mil reais ou mesmo a possibilidade do álbum não ser lançado por um milhão, e o valor arrecadado foi utilizado para a concepção do álbum nos EUA com a famosa produtora Sylvia Massy (a esta altura do campeonato você já deve saber que ela trabalhou com Foo Fighters, Tool, Red Hot Chili Peppers, etc. mas talvez não saiba foi ela a responsável pela captação da bateria do último álbum da banda brasileira de thrash metal Nervosa!).
Pelo que se pode ver em duas das apresentações da banda apresentando canções de “Unlikely”, no CoMA em Brasília e no Z Palco em São Paulo (em apresentação sold out a qual este redator compareceu), o álbum, já é sucesso entre os fãs da banda, que dominam as letras das músicas. A reação não é, entretanto, sem explicação: as faixas do álbum têm alto grau de aderência e ficam grudadas nos ouvidos. “Cobra”, com o timbre saturado da bateria de Lauro, agarra o ouvinte pela cabeça enquanto a voz de Emmily Barreto parece cantar dentro da sua cabeça.
Em “Flamingo”, os timbres de sintetizadores de Cris Botarelli soam como uma criança pulando amarelinha por cima da cozinha dançante de Lauro e Edu até a guitarra de Rafael Brasil acabar com a farra e transformar a mistureba num stoner pesadão. Pig é irmã de sangue de Politiks, de “modeHuman”, unidas pelo lap steel de Cris e é, talvez, o melhor momento do disco. Adolescentes na década de 90 talvez queiram começar a explorar a banda por esta faixa, cuja única descrição possível foi a de “um estranho cruzamento entre Alanis Morissette e “Dancing Days” do Led Zeppelin. Cris é ainda responsável pelo climão sonoro por cima do qual Emmily entrega sua melhor performance vocal do disco, em “Elephant”.
Ao contrário de modeHuman, um disco com um conceito como fio condutor, “Unlikely” não fala de um assunto em específico. Os nomes das canções, todos de animais (a única explicação Pizza que veio à mente deste redator é que pizza não é animal, “mas é o bicho”) podem dar a falsa impressão de que tratam de um mesmo assunto, mas as letras vão desde bandas companheiras de estrada boas de festa (Flamingo) à dificuldade de decidir sobre o que a própria canção vai falar (Rhino). Que o ouvinte não espere por Camões ou Walt Whitman, mas as letras servem bem à proposta e a performance fonética não compromete o resultado. Jack Endino, o famoso produtor que criticou bandas brasileiras por não se prepararem adequadamente para cantar em inglês, provavelmente não teria do que reclamar em “Unlikely”.
A diferença entre a arte gráfica dos dois álbuns talvez influencie no julgamento de que o novo trabalho tenha um pé para fora do tom mais sóbrio de “modeHuman”. Em termos sônicos, “Unlikely” mantém a coesão sônica de seu predecessor que gira em torno de uma cozinha concisa e pesada (cortesia de Lauro na bateria e Edu Filgueira no baixo) cujo arroz com feijão não deixou de ser o stoner (“Rhino” — que começa como um Sabbathzão clássico — e “Slug”, por exemplo); contudo, os tons mais pasteis e homogêneos de “modeHuman” dão lugar a um som muito mais colorido, que deixa a personalidade de seus integrantes respirar (a performance solta de Emmily, o tema descontraído e os experimentos certamente fariam com que Pizza não tivesse um lugar no tracklist final de “modeHuman”) e transborda para a arte gráfica, transformando o tom cinemático de modeHuman numa explosão de cores à lá Keith Haring.
“Unlikely” é, portanto, uma aposta na banda não só como um ente indivisível, mas como a convivência de um conjunto de indivualidades que interagem entre eles e se manifestam na forma de um excelente trabalho. Se “modeHuman” apresentou a banda ao mundo, o novo trabalho deixa transparecer os integrantes que a compõem. Em “Unlikely”, o Far From Alaska jogou no bicho, acertou na mosca e acabou com um dos discos do ano.